14 novembro 2006

A Qualidade da Morte

Nota: Este e o próximo (espero) post vão ser um pouco diferentes do que eu habitualmente escrevo! São o resultado de uma experiência pessoal intensa que deixou marcas e que eu quero registar.

Recentemente passei pela triste experiência de perder uma pessoa de família muito próxima. Não foi algo de súbito! Três meses antes todos temíamos que isso acontecesse, um mês antes todos, incluindo a própria, sabíamos que era inevitável a curto prazo. Devíamos estar preparados, mas…

É claro que acompanhámos, de forma mais próxima os seus últimos dias, e sobretudo as últimas horas. É-me difícil explicar o que foi esse tempo de sofrimento partilhado. O seu organismo estava a parar, parecia inconsciente mas não podíamos ter a certeza. Havia momentos em que parecia que a lucidez voltava. Momentos em que, acredito, ela tinha consciência do que estava a acontecer.

Recordo-me das sensações de impotência e de raiva. PORQUÊ? Porque é que aquele sofrimento colectivo não era abreviado. Estávamos em presença de um doente terminal. Ninguém, nem o próprio, no dia anterior, tinha qualquer dúvida a esse respeito. Por isso para quê prolongá-lo?

Aqui, a propósito do 11 de Setembro, eu escrevi que, por ser ateu, considero intolerável encurtar o tempo de vida a alguém. Devo acrescentar que considero igualmente intolerável prolongar o tempo de vida a alguém que já não deseja viver. Eu sei que vivo numa sociedade de matriz judaico-cristã, onde a maioria das pessoas acredita que a vida pertence a um Deus que, sadicamente, valoriza aquele tipo de sofrimento pelo que a eutanásia está fora de questão. Longe de mim obrigar essas pessoas a praticá-la. Mas porque é que me obrigam a mim a seguir crenças que não são as minhas?

Tenho 55 anos. Há muito que passei da fase da ilusão da imortalidade. Sei que, um dia, chegará a minha vez – espero que o mais tarde possível porque adoro estar vivo. Se nessa altura eu me encontrar na situação do meu parente, vou ter o cuidado de reunir uma dose letal de calmantes ou doutra substância qualquer. Depois, quando achar que chegou o momento, despeço-me dos que me forem queridos e não vou esperar por cair! Vou saltar.

6 Comments:

Blogger Varanda said...

PSeven um grande e sentido abraço e ofereço-to o meu ombro.

14/11/06 22:48  
Blogger El Ranys said...

Um abraço, pseven.

15/11/06 11:03  
Blogger Rui Martins said...

os meus mais sentidos pêsames...
e sim... concordo consigo em absoluto... A sociedade de matriz judaico-cristão e a própria deontologia médica dão um primado demasiado cego e absoluto ao conceito de "Vida", desprezando a Dôr e o Sofrimento dos... Vivos.

15/11/06 21:25  
Blogger Frioleiras said...

Certo ... O melhor, mesmo o melhor, é apenas viver... não vale a pena paliativos, prolongar as grandes doenças incuráveis... a dor da doença é sp ultrapassada pelo sofrimento fisico e moral... saber-se que não há cura possível, mais vale a morte... eu acho que a tecnologia não levou à cura, levou ao prolongamento do sofrimento.
Deveria ser viável, sp, morrer sem demoras .... quando já não há esperança de qualidade de vida...

Penso nisso mts vezes mas... sei k não teria coragem ...
As minhas raizes judaico-cristãs estão bem diluidas em mim ...
Poucos de entre nós , seriam capazes ...

16/11/06 00:01  
Blogger PSeven said...

Varanda, El Ranys e Rui,
Obrigado pela vossa solidariedade. Um abraço a todos.

Frioleiras,
Conheço vários casos de pessoas que se curaram e têm uma vida confortável, devido à utilização de tecnologias recentes. Não acho que seja a tecnologia seja um mal em si. Às vezes, como neste caso, é usada de forma errada. Quanto à coragem, acho que você tem razão. Tudo o que posso dizer é que espero tê-la na dose suficiente se for necessária.

17/11/06 15:37  
Blogger Jorge P. Guedes said...

Dou-lhe inteira razão.
Aos 53 anos, penso de forma idêntica.
A eutanásia é um direito do homem, que conceitos dogmáticos lhe retiram.

Jorge G

18/11/06 15:25  

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